Razão e História em Kant

Autor
Marco Antonio Zingano
Editora
MADAMU
Edição
2a. edição
Ano
2022
ISBN/ISSN
978-65-86224-22-1

A filosofia de Kant, respaldada nas três Críticas que publicou – a Crítica da Razão Pura, em 1781; a Crítica da Razão Prática, em 1788, e a Crítica do Juízo, em 1790 –, marcou profundamente o ambiente filosófico europeu. O que veio a ser conhecido como a filosofia transcendental de Kant era um projeto ambicioso, que buscava mostrar como a atividade do entendimento constituía o objeto de conhecimento; como a razão, ao se dar um domínio prático, criava o reino dos deveres morais e, finalmente, como, pela estrutura mesma de nossos juízos, postulamos a adesão de todos em nossas avaliações sobre o belo e projetamos no domínio do ser vivo o registro da finalidade, sem o qual não o poderíamos desvendar. Os séculos seguintes destronaram muitas de suas pretensões – em especial o darwinismo pôs ordem nas reflexões sobre o ser vivo e a finalidade –, mas não somente sua obra é ainda hoje essencial para pensarmos as condições da representação objetiva do mundo e a validade das obrigações morais, como sobretudo seu sistema filosófico é uma das mais potentes expressões do Iluminismo – a Aufklärung, em alemão –, este momento grandioso que fez do século XVIII a época do indivíduo, da defesa intransigente das liberdades cívicas e da luta contra o atraso provocado pelo fervor religioso. No entanto, nos anos finais de sua carreira intelectual, Kant publica uma série de tratados sobre a história e a religião, os quais causaram estupor em seus contemporâneos, pois pareciam defender as teses religiosas e políticas contras as quais tanto lutara. Neste livro, tentei mostrar como estes escritos menores respondem diretamente a questões que o sistema crítico engendra quando é tomado do ponto de vista de seus princípios metafísicos e de sua aplicação ao mundo real. Deste modo, busquei mostrar que não eram fruto de um retrocesso ou delírio de Kant, pois decorriam do projeto filosófico que ele iniciara com tanto sucesso em 1781. Por outro lado, esta inscrição no coração do sistema filosófico de Kant, em especial em sua parte prática, não deixa de revelar certas tensões que a filosofia crítica, em sua dimensão puramente transcendental, de certo modo deixara à sombra. Pensar Kant consiste, no meu entender, em pensar todo o Kant, e aqui reside a sua genialidade: não somente o domínio transcendental, mas também os primeiros princípios metafísicos e sua concretização em nossas práticas ordinárias. E aqui reside também o desafio de pensar Kant, pois, se uma parte ilumina a outra, estes escritos menores não deixam de colocar o grande sistema transcendental em uma nova chave – e é esta a chave que nos cabe decifrar, tarefa à qual este livro se empenha com ardor. Passados quase quarenta de sua primeira publicação, a questão que busca esclarecer continua tão atual quanto o era no momento de sua redação.