É com profundo pesar que informo o falecimento de Lucas Melo Souza, pós-graduando em filosofia. Lucas foi meu orientando em iniciação científica e realizava pesquisa de mestrado sobre Walter Benjamin. O talento, a originalidade e a combatividade de Lucas despertaram minha atenção desde sempre, como de todos a seu redor. Sua pesquisa em IC recebeu apoio da FAPESP, assim como sua pesquisa de mestrado. A bolsa BEPE para um estágio na Alemanha com um importante especialista sobre as obras de Walter Benjamin e Scholem foi tristemente cancelada por ocasião da pandemia. Lucas participou de todos os grupos de estudos que organizei desde 2015, nos quais apresentou e discutiu seus projetos e textos de interpretação e realizou seminários sobre autores e pesquisas os mais diversos. Foi dele que o coletivo atual, Grupo de Estudos de Filosofia e Teoria Crítica, recebeu seu nome. Que a lembrança de seu brilho e inconformismo permaneça sempre.
Prof. Luiz Sérgio Repa
09/05/2023
Conheci o Lucas Souza em 2013, no CAF, onde convivíamos a maior parte do tempo. Eu estava no segundo ano da graduação, ele no primeiro. Desde logo, chamou atenção o ardor e a paixão com que defendia suas ideias, o gosto pelo estudo e sua revolta contra as injustiças sociais. Ele era um fã da discussão e da polêmica, ao mesmo tempo extremamente dedicado à objetividade do assunto e atento às ideias dos outros. Nós nos demos bem e viramos amigos desde então. A sinceridade e a transparência entre nós foram desde sempre uma marca da amizade.
Autodidata em praticamente tudo, Lucas era talentoso, criativo e ousado. Gostava de aprender coisas novas e sabia de tudo um pouco. Sua ambição era de juntar o que costumamos achar que deve andar separado. Ele buscava combinar uma sofisticada erudição, que incluía repertório cultural geral, línguas estrangeiras, análise filológica, virtuose ensaística, gosto pelas diversas artes, com fenômenos que costumamos tomar como baixos ou desprovidos de interesse intelectual – uma combinação que ele levava com a seriedade de um modernista. Como Benjamin era seu filósofo do coração (embora ultimamente Kracauer andava conquistando um espaço), inspirava-o o conceito de montagem e o ensaio “A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica”, os quais ele queria atualizar para questões atuais. A este respeito, Lucas apostava que a internet havia aberto novas possibilidades de criação e educação, as quais, todavia, nem a esquerda e nem os intelectuais sabiam aproveitar, deixando uma pista livre para a direita. Daí que ele defendesse as novas formas de reprodutibilidade técnica devessem ser desenvolvidas por um ângulo moderno, crítico e politizado. Fica evidente, neste ponto, a ambição de explorar possibilidades ainda pouco ensaiadas, de experimentar onde ninguém parece ter muito interesse – a atitude de vanguarda salta aos olhos. Quem esquecerá, por exemplo, o quão sério ele defendia que o meme era um objeto digno de nossa atenção? Nos últimos tempos, ele andou experimentando nessa direção, fazendo vídeo-ensaios nas redes sociais (nas quais ele sempre foi muito ativo) em que comentava alguns filmes que havia assistido. Eram muito bons.
Sua dissertação de mestrado tratava do conceito de modernidade em Benjamin, que ele investigava com mãos de um bom pesquisador, ao mesmo tempo em que buscava seguir um caminho próprio, não definido pelas linhas consolidadas de comentário. O horror aos lugares comuns era uma característica sua em tudo. Essa pesquisa rendeu um artigo muito esclarecedor sobre alegoria em Walter Benjamin, no qual vai sobreviver uma pequena amostra de suas qualidades como pesquisador em filosofia. Em tudo está presente seu grande gosto pelo debate, pela polêmica, por experimentar posições novas e fugir do comum.
Perante seu espírito combativo, a figura pessoal oferecia, à primeira vista, um certo contraste. Lucas era calmo, falava baixo e andava devagar (como um flâneur?), além de ser bastante cuidadoso no trato. Quando conversávamos, sua escuta era atenta e paciente - ele era paradoxalmente teimoso e aberto à perspectiva contrária. Era também sorridente e bem humorado. Vou guardar bem na memória nossas últimas conversas nos bancos em frente a Florestan, mesmo se elas já tratassem das dificuldades pelas quais ele passava. Penso que a composição de seu polemismo apaixonado e a tranquilidade de sua presença dão uma boa ideia de sua personalidade singular.
Esse pequeno perfil, certamente incompleto, serve para termos apenas uma noção mínima do talento e da inspiração que essa tragédia interrompe. É triste pensar no que ele ainda poderia ler, pesquisar, escrever, filmar, editar... Eu apenas espero que algo disso sobreviva nos amigos, amigas e colegas que conviveram com ele.
Felipe Ribeiro, amigo e aluno de Pós-graduação
09/05/2023
Nota de colegas e membros das antigas gestões do CAF em homenagem a Lucas Melo Souza.
Lucas Souza. Desamparado no mar de desigualdade, ele lutava sozinho dentro do meio uspiano há 10 anos ininterruptamente, nas palavras dele, contra a baleia burocrática e tiranica que se realiza em cascata, do Governo do Estado ao funcionariado e corpo estudantil . É o que ele escreveu no nosso programa de chapa do CAF em 2015:
"O que nos guia é certo horizonte. Um horizonte de luta que visa as pessoas historicamente excluídas, que a nossa nau ainda não abarca. Pois que há também outra baleia – essa em nosso barco -, a de perfil masculino, branco e socioeconomicamente favorecido, baleia branca falocêntrica, leviatã do privilégio. Lutamos contra as opressões de classe, raça e gênero; contra o elitismo uspiano."
Há 10 anos ele luta por permanência. Ele luta por mais vaga no CRUSP. Por moradia decente, por água, luz e internet. Por papel para imprimir seus textos. Por bolsas de estudo. Por justiça. Por mudanças estruturais na Universidade. Por mínimas condições acadêmicas para sobreviver. Por dignidade. Mas, do começo ao fim, Lucas viveu "A EXPERIÊNCIA UNIVERSITÁRIA COMO UMA INTERDIÇÃO VIOLENTA DE DIREITOS", como ele mesmo relatou, com sua característica honestidade e coragem.
Ele lutou contra o Leviatã. Ele gritou por socorro. Ele gritou com todos nós e poucos de fato ouviram seus chamados. Agora fica esse silêncio.
Perdemos essa pessoa, pura potência. Escrevia como ninguém, de forma certeira e sarcástica. Nível muito superior aos colegas privilegiados da filosofia. Quem o conheceu sabe que não é exagero. Suas ideias eram únicas e brilhantes. Brilhantes. Nunca mais escutaremos. Nunca mais leremos novos textos, novas análises. Acabou.
O Lucas foi abandonado, excluído. Foi o descaso com uma pessoa negra e periférica, descaso que a USP reproduz e representa, uma das causas que levou nosso colega para sempre.
Muita força aos familiares, a quem conheceu o Lucas de perto, ao pessoal das diferentes gerações do Centro Acadêmico de Filosofia que puderam apreciar sua amizade e sobretudo aquelas poucas que permaneceram ao seu lado até o fim.
Descanse em paz, querido. De nossa parte, cabe honrar o seu legado e continuar enfrentando o Leviatã.
Texto: Melissa Tami Otsuka.
Assinam essa nota ex-componentes do CAF:
Agnes Oliveira
André Alves de Carvalho
André Coggiola
André Cristi
Beatriz Chaves Dias
Belit Lua Alencar
Caio Sorio
Carolina Lixandrão
Catarina Bortman
Dimitrios Sacute
Diogo Oliveira
Elivelton Leonel da Silva
Gabriela Macedo
Gabriela Perini Bortoletto
Gustavo Barbosa
Inauê Taiguara
João Pedro Bueno
Juliana Tolosa
Karen Spisso
Laila Manuelle
Lis Macedo Barros
Lucas Bittencourt
Marcelo Soares
Maria Lívia Nobre Goes
Maria Luiza Seabra
Mariana Luppi
Mariana Ribeiro Dos Santos Kurowski
Marina Dias
Mateus Castilha
Matheus Barbosa Rodrigues
Matheus Oliveira Pereira de Araújo
Melissa Tami Otsuka
Nina Auras
Orlando Lima Pimentel
Paula Feijó de Medeiros
Pedro Côrtes Loureiro
Pedro Henrique Zafani Couto
Pedro Marques Silva Mauad
Rafael Rapizo Nery
Regis Alves
Ricardo Parro
Rodrigo Mortara Almeida
Uirá Gamero
Umeno Morita
Vinicius Paiola
W. Roger da Silva
Yasmin de Oliveira Alves Teixeira
15/05/2023
A família informa que o velório e o sepultamento ocorrerão amanhã, quarta-feira, no cemitério Memorial Parque Paulista, Rua Suécia, 56, R. Dr. Jorge Balduzzi, 520 - Jardim Mimas, Embu das Artes - SP, 06807-485, 10/05/2023 a partir das 09h.