FELIPE BELLEI CORDEIRO

A proposta da pesquisa é a realização de uma leitura da Ética de Espinosa como uma obra de inspiração hipocrática. Nosso estudo parte do nascimento da medicina como tékhne iatrike (arte de curar e/ou cuidar) com os gregos hipocráticos, passando pela incorporação de seu método na história da filosofia. Há uma mútua pertinência na formação da medicina e da filosofia: a medicina hipocrática nasce a partir da existência da filosofia pré-socrática, que deu sistematicidade ao estudo da natureza (physis). A physis é o ordenamento central a partir do qual brota toda a tékhne médica, conferindo-lhe a forma de seu lógos e de sua praxis: o médico é aprendiz e auxiliar de uma physis que cura a si própria. Em Platão a tékhne médica é modelo de método para a disciplina nascente, a filosofia, arte que deveria proceder com a psykhe do mesmo modo analítico que Hipócrates procede com a soma. Aristóteles faz uso da tékhne como modelo para constituição do método de sua Ética a Nicômaco. Outro paradigma da extensa interpenetração histórica entre ambas artes é a obra Tusculanas de Cícero, que iguala ambas artes definindo a filosofia como a medicina do ânimo. Em Espinosa vemos, como demonstrado por Chauí (2020), a incorporação do método médico na construção do Tratado da emenda do intelecto. Nosso objetivo será demonstrar a presença do método médico na constituição da obra magna de Espinosa. Na Ética, assim como nos hipocráticos, é do ordenamento da natureza que brota um método: nossa hipótese é que o diagnóstico e a terapêutica geminadas na Ética são desenhadas a partir da dupla causalidade (imanente e transitiva) próprias à condição da natureza humana; sobre este apoio exploraremos o diagnóstico da submissão às paixões como adoecimento e a hipótese da interiorização da causalidade como terapêutica.