Da Metafísica de Aristóteles, o Livro Z (ou VII) é amplamente reconhecido como central e o mais desafiador. Entre seus capítulos, os mais extensos são o décimo e o décimo primeiro, que discutem de que se compõe a definição das entidades sensíveis e quais relações ontológicas se encontram nisto refletidas. Com especial ênfase, Z 10-11 investiga se a matéria pode ou não integrar definições, e, correspondentemente, se ela desfruta de precedência ontológica sobre os compostos que constitui. Interpretações que concluem uma resposta negativa tendem a se apoiar sobretudo em Z 10, que destaca haver uma associação íntima entre definição e forma (εἶδος), e mesmo uma equivalência entre εἶδος, essência (οὐσία) e quididade (τὸ τί ἦν εἶναι). De fato, se este capítulo é decisivo para o Livro VII, é por revisitar a promissora candidatura da quididade ao posto de essência, passado o excurso de Z 7-9. A relevância de Z 10 como unidade de reflexão se adensa com a multiplicidade de problemáticas sobre as quais ele se pronuncia – a algumas, até, proporcionando a formulação aristotélica canônica. Entre elas se destacam a indefinibilidade dos indivíduos; a classificação das espécies como compostos universais; a interdição, a estes, do estatuto de οὐσία; a “incognoscibilidade” da matéria; a identidade de cada coisa com sua essência. O interesse do capítulo aumenta em face da dificuldade de esclarecer como estes tópicos se relacionam, e por que importam para o argumento. Mais ainda, no decurso do texto são empregadas expressões enigmáticas ou espinhosas, como a que menciona uma matéria à qual a entidade “sobrevém” (ἐπιγίγνεται), a que designa entes συνειλημμένα (literalmente, “tomados em conjunto”) à matéria, a que ressalva serem “ou todas ou algumas” (ἢ πάντα ἢ ἔνια) das partes da essência o que exerce anterioridade, a que nomeia a substância composta como “o composto a partir da forma” (τοῦ συνόλου τοῦ ἐκ τοῦ εἴδους, em vez de “... a partir da forma e da matéria”). Esta dissertação propõe como leitura capaz de esclarecer e harmonizar os vários pontos de dificuldade uma que identifica a tese alegadamente rechaçada: a da presença da matéria na definição, e sua relativa prioridade ontológica, ante as entidades sensíveis. Um ponto-chave é detectar a tácita caracterização (evidenciada à medida que as duas metades do capítulo aproximam seus temas, o das partes do λόγος e o da anterioridade) segundo a qual integrar a forma é o modo originário de constituir a coisa – no qual “não mais” (οὐκέτι, 1035a21) se incide quando se é “já” (ἤδη, a16, b31, 1036a2) matéria individual, mas do qual não se exclui toda matéria (1035a5-6): tanto que os compostos são compostos “a partir da forma”, simplesmente; a realização direta da forma é sua concretização como composto. Trata-se de um comentário linha-a-linha, mas também atento às correspondências no corpus, à (farta) literatura interpretativa e aos principais desdobramentos teóricos. Espera-se que ao fim do trabalho emerja uma perspectiva favorável a certa compatibilidade entre a tendência contemporânea a reivindicar dignidade ontológica ao contingente e a subordinação clássica da realidade sensível a determinados universais.
Palavras-chave: Aristotelismo. Metafísica. Ontologia. Matéria (Filosofia). Forma (Filosofia). Essência (Filosofia). Substância (Filosofia).