ANDRÉ GOMES QUIRINO

Curso
Mestrado
Título da pesquisa
A impureza das formas aristotélicas: um comentário a Metafísica Z 10
Resumo da pesquisa

Da Metafísica de Aristóteles, o Livro Z (ou VII) é amplamente reconhecido como central e o mais desafiador. Entre seus capítulos, os mais extensos são o décimo e o décimo primeiro, que discutem de que se compõe a definição das entidades sensíveis e quais relações ontológicas se encontram nisto refletidas. Com especial ênfase, Z 10-11 investiga se a matéria pode ou não integrar definições, e, correspondentemente, se ela desfruta de precedência ontológica sobre os compostos que constitui. Interpretações que concluem uma resposta negativa tendem a se apoiar sobretudo em Z 10, que destaca haver uma associação íntima entre definição e forma (εἶδος), e mesmo uma equivalência entre εἶδος, essência (οὐσία) e quididade (τὸ τί ἦν εἶναι). De fato, se este capítulo é decisivo para o Livro VII, é por revisitar a promissora candidatura da quididade ao posto de essência, passado o excurso de Z 7-9. A relevância de Z 10 como unidade de reflexão se adensa com a multiplicidade de problemáticas sobre as quais ele se pronuncia – a algumas, até, proporcionando a formulação aristotélica canônica. Entre elas se destacam a indefinibilidade dos indivíduos; a classificação das espécies como compostos universais; a interdição, a estes, do estatuto de οὐσία; a “incognoscibilidade” da matéria; a identidade de cada  coisa  com  sua  essência.  O  interesse  do  capítulo  aumenta  em  face  da  dificuldade  de esclarecer como estes tópicos se relacionam, e por que importam para o argumento. Mais ainda, no  decurso  do  texto  são  empregadas  expressões  enigmáticas  ou  espinhosas,  como  a  que menciona  uma  matéria  à  qual  a  entidade  “sobrevém”  (ἐπιγίγνεται),  a  que  designa  entes συνειλημμένα (literalmente, “tomados em conjunto”) à matéria, a que ressalva serem “ou todas ou algumas” (ἢ πάντα ἢ ἔνια) das partes da essência o que exerce anterioridade, a que nomeia a substância composta como “o composto a partir da forma” (τοῦ συνόλου τοῦ ἐκ τοῦ εἴδους, em vez de “... a partir da forma e da matéria”). Esta dissertação propõe como leitura capaz de esclarecer e harmonizar os vários pontos de dificuldade uma que identifica a tese alegadamente rechaçada: a da presença da matéria na definição, e sua relativa prioridade ontológica, ante as entidades sensíveis. Um ponto-chave é detectar a tácita caracterização (evidenciada à medida que  as  duas  metades  do  capítulo  aproximam  seus  temas,  o  das  partes  do  λόγος  e  o  da anterioridade) segundo a qual integrar a forma é o modo originário de constituir a coisa – no qual “não mais” (οὐκέτι, 1035a21) se incide quando se é “já” (ἤδη, a16, b31, 1036a2) matéria individual, mas do qual não se exclui toda matéria (1035a5-6): tanto que os compostos são compostos “a partir da forma”, simplesmente; a realização direta da forma é sua concretização como  composto.  Trata-se  de  um  comentário  linha-a-linha,  mas  também  atento  às correspondências no corpus, à (farta) literatura interpretativa e aos principais desdobramentos teóricos.  Espera-se  que  ao  fim  do  trabalho  emerja  uma  perspectiva  favorável  a  certa compatibilidade  entre  a  tendência  contemporânea  a  reivindicar  dignidade  ontológica  ao contingente e a subordinação clássica da realidade sensível a determinados universais.  

 

Palavras-chave: Aristotelismo. Metafísica. Ontologia. Matéria (Filosofia). Forma (Filosofia). Essência (Filosofia). Substância (Filosofia). 

Orientador
Evan Robert Keeling
Fomento
Fapesp
Data da defesa
03/10/2022